Corria o ano de 1439 quando Johannes Gutemberg inventou algo novo: a prensa de tipos móveis. O primeiro impacto dessa tecnologia foi econômico. Reduziu exponencialmente o custo de produzir livros e folhetos.
Não eram mais necessárias horas e horas de transcrição à mão por monges copistas dedicados e pacientes. Bastava apertar o tipo com tinta no papel e voilà: uma cópia quase perfeita de material impresso era criada.
Com cópias baratas, pela primeira vez um continente inteiro, a Europa, se alfabetizava em massa.
Não demorou muito para Martinho Lutero e João Calvino incentivarem seus fieis a terem contato direto com as palavras sagradas.
O padre da paróquia disse que é necessário pagar indulgências para ser salvo? É certo isso? Espera um pouco, eu mesmo vou ler a Bíblia (já traduzida do latim para o alemão ou para o inglês) para verificar eu mesmo se é essa a verdadeira mensagem do cristianismo.
Don’t trust, verify.
Depois de algumas revoluções um tanto quanto sangrentas, o Protestantismo, reinterpretando o conceito bíblico de graça divina, disseminou a moralidade de baixa preferência temporal, permitindo uma grande acumulação de riquezas.
Alguns séculos depois, estávamos em plena Revolução Industrial.
Quem poderia dizer que uma ferramenta tão simples (uma prensa de tipo móvel que permitia cópias baratas) teria impactos culturais e econômicos tão profundos?
A Internet não está tão longe de ser um desenvolvimento desta mesma ideia. Uma forma de ver a Internet é enxergá-la como grande máquina de criar e transmitir cópias baratas, só que agora também de vídeos, sons e imagens.
Em 1999, David Bowie deu uma entrevista para BBC e lá pelas tantas o entrevistador Jeremy Paxman pergunta o que ele achava da Internet.
Bowie responde:
“Eu penso que ainda nem vimos a ponta do iceberg! Acredito que potencial do que a Internet pode fazer à sociedade, bem e mal, é inimaginável. Penso que estamos, na realidade, no começo de algo estimulante e assustador!”
Absolutamente incrédulo com esta resposta, o Sr. Paxman insiste:
“Ela [a Internet] não seria só uma ferramenta, não seria?”
Bowie, com uma cara cada vez mais insana, responde:
“Não! É uma forma de vida alienígena! Existe vida em Marte? Sim! E acabou de pousar aqui!”
Duas décadas depois dessa entrevista acho que já podemos ver quem estava com a razão. A internet é uma nova forma de vida ou é só uma ferramenta?
Escrevo tudo isso para, claro, falar de Bitcoin, esta outra forma de vida alienígena que acabou de pousar na Terra.
Bitcoin tem pouco mais de uma década de existência. Um aspecto curioso de sua história é a quantidade imensa de pessoas com conhecimentos extremamente avançados de criptografia e programação que entenderam o Bitcoin só como “mais uma ferramenta” - como diria o Sr. Jeremy Paxman da BBC sobre a Internet.
O que não falta é argumento de autoridade para confirmar essa impressão. O próprio Satoshi Nakamoto no white paper diz de forma muito sóbria que o Bitcoin é um “sistema de dinheiro eletrônico ponto-a-ponto”. Parece ser só mais uma mera ferramenta, não é mesmo?
Sempre muito sóbrio em suas correspondências, Satoshi confessou em um e-mail ser melhor com código do que com palavras. Ainda bem: o Bitcoin funciona, isso basta.
No livro “Bitcoin Red Pill: O Renascimento Moral, Material e Tecnológico”, Renato Amoedo e Alan Schramm buscam dizer o que Satoshi não diz: que tipo de sociedade humana o Bitcoin encontrou quando pousou neste planeta e quais serão suas consequências mais profundas.
Este é o primeiro livro brasileiro a navegar por nessas águas e traz um diagnóstico com o qual eu concordo integralmente: o Bitcoin encontrou uma natureza humana extremamente falha e encontrou também uma sociedade, a brasileira, repleta de golpistas, inflacionistas, malandros, shitcoins e pirâmides financeiras.
A escassez digital criada por Satoshi encontrou também um Estado completamente falido moral e financeiramente, que gasta mais que arrecada, e que joga a conta nas costas do povo por meio do roubo institucionalizado dos impostos e da inflação.
O livro explica com detalhes as distorções de uma economia que gira com base em juros negativos e como funciona o Bitcoin, moeda forte e inconfiscável, num mundo de moedas estatais fracas e confiscáveis.
A pílula vermelha é a pílula mais difícil de engolir pois nos traz verdades que temos medo de admitir. Renato e Alan, além de trazerem relatos saborosos da história do Bitcoin no Brasil e de explicarem para o público leigo o funcionamento desta tecnologia e do mercado, foram corajosos o suficiente para oferecer este remédio amargo ao povo brasileiro.
Cada gráfico e cada linha do livro é como um tapa na cara para acordar o brasileiro de um sono mortífero. Vai doer, mas valerá a pena.