Há mais ou menos oitenta anos, o físico Enrico Fermi e seus colegas cogitavam a existência de vida inteligente além de nós.
Contemplando nossa história de sucesso aqui na Terra, pensaram também na imensidão da galáxia, com 100 bilhões de estrelas, como a vida evoluiu de forma rápida neste planeta e que uma espécie inteligente como a nossa provavelmente colonizaria outros lugares na galáxia em apenas mais alguns milhares de anos. A paleontologia nos mostra que a vida orgânica evoluiu muito rapidamente após a superfície da Terra esfriar e se tornar habitável. Uma vez existindo a vida simples, a evolução via seleção natural mostra tendências progressivas em direção à reprodução sexuada, corpos maiores, cérebros maiores e complexidade social. A psicologia evolutiva revela vários caminhos plausíveis de mentes mais simples em direção à inteligência criativa do ser humano. Se foi possível que isso tenha ocorrido na Terra, a inteligência extraterrestre deveria ser comum e abundante, dada a quantidade de outros planetas existentes. Enrico Fermi ouviu pacientemente a digressão de seus nobres colegas físicos e então perguntou:
"Então, onde está todo mundo?".
Esse enigma ficou conhecido como o Paradoxo de Fermi.
Com o tempo, o paradoxo tornou-se cada vez mais intrigante. Depois de ter sido proposto, centenas de planetas extrassolares foram identificados, o que pode indicar a presença de planetas habitáveis na órbita de várias estrelas relativamente próximas a nos. No entanto, décadas após buscas intensivas por inteligência extraterrestre não renderam nada. Nenhum sinal de rádio nos enviaram de volta, nenhum encontro próximo além de relatos esparsos e pouco confiáveis.
Então, parece que há duas possibilidades. Talvez estejamos superestimando a probabilidade da evolução da inteligência extraterrestre. Talvez as condições que tornaram possível a vida inteligente aqui na Terra são muito mais únicas do que imaginamos, mesmo com tantos planetas lá fora. Ou talvez a inteligência evoluída tenha alguma tendência profunda a se auto-limitar ou até mesmo a se auto-exterminar. Depois que inventamos bombas atômicas, alguns sugeriram que qualquer alienígena suficientemente inteligente para criar naves espaciais seria também suficientemente inteligente para fazer bombas termonucleares e as usariam uns contra os outros mais cedo ou mais tarde. Estamos sozinhos porque qualquer inteligência extraterrestre também se auto-destrua de alguma forma ou de outra.
Recentemente li uma uma solução diferente, também sombria, para o Paradoxo de Fermi. O biólogo evolucionista Geogffrey Miller propôs que os alienígenas inteligentes não se auto-destruíram por alguma supertecnologia que eles eventualmente inventaram. Eles simplesmente ficam viciados em diferentes realidades virtuais ou metaversos que a própria vida inteligente inevitavelmente cria. Eles não precisam de Sentinelas para escravizá-los em uma Matrix: eles fazem isso por si mesmos, assim como estamos fazendo hoje.
Para Geoffrey, a biologia evolutiva nos mostra que mesmo uma mente evoluída é atraída por sinais indiretos de aptidão biológica em vez de rastrear a aptidão em si. Em nossa história evolutiva, não buscamos sucesso reprodutivo diretamente, buscamos alimentos saborosos que tendiam a favorecer nossa sobrevivência e parceiros atraentes que tendiam a produzir bebês bonitinhos e saudáveis. Como buscamos apenas sinais e não a coisa em si, somos facilmente atraídos por vícios e mundos virtuais.
A tecnologia que nossa inteligência produziu é muito boa em controlar a realidade externa e promover nossa verdadeira aptidão biológica em diferentes nichos do globo terrestre, mas é ainda melhor em oferecer falsas pistas aptidão, imitações, sinais subjetivos de sobrevivência e reprodução, sem os efeitos duradouros ou saudáveis no mundo real, como doces e pornografia. Um pedaço suculento e nutritivo de carne é mais custoso de se obter do que uma barra de cereal cheia de aditivos flavorizantes. Ter amigos de verdade ou uma esposa exige muito mais esforço do que ver Friends ou assinar OnlyFans. Construir foguetes e colonizar a galáxia é muito mais difícil do que jogar videogame do Star Wars e se contentar com um simulacro destas atividades.
Estamos nesta armadilha porque a tecnologia que apenas imita aptidão evolutiva tende a progredir muito mais rápido do que nossa resistência psicológica a ela. Hoje as gerações já se tornam adultas imersas num luxuriante mundo de entretenimento que imita aptidão evolutiva, enquanto os elementos tradicionais do desenvolvimento físico e mental, como manter um corpo saudável, construir uma família e deixar um legado, e que foram fundamentais para nossa perpetuação e civilização, são deixados de lado.
Essa tendência impacta diretamente a economia e a produção. No começo do século passado, a maioria das invenções ainda se referia à realidade física que melhorava de fato a vida das pessoas na Terra, como carros, aviões, zepelins, lâmpadas elétricas, aspiradores de pó, condicionadores de ar, sutiãs e zíperes. Hoje maioria das invenções diz respeito ao entretenimento virtual e ao consumo conspíscuo. Já mudamos de uma economia da realidade para uma economia virtual, da física para a psicologia, como motor de valor e alocador de recursos.
Geoffrey escreveu sobre esta hipótese em 2006, ainda no começo deste descolamento. Hoje vemos na concentração de mercado acionário uma profunda acentuação desta tendência. As top três empresas do mundo, Nvidia, Microsoft e Apple, que já passaram de incríveis USD 3 trilhões de valor de mercado e que juntas dominam 20% do índice do S&P500, possuem modelos de negócios diretamente ligados à criação e monetização de realidades virtuais. Isso sem contar outras empresas enormes como a trilionária Meta e a Netflix, que hoje vale quase USD 300 bilhões.
A hipótese de Geoffrey é que talvez os alienígenas inteligentes tenham tido o semelhante destino. Na história evolutiva de qualquer vida inteligente, surgirá o que ele chamou de Grande Tentação: será dada a ela também a capacidade para moldar sua realidade subjetiva para fornecer os sinais de aptidão evolutiva sem a substância real.
Talvez estejamos seguindo o mesmo caminho das espécies alienígenas inteligentes e nos extinguindo gradualmente, alocando mais tempo e recursos para seus prazeres virtuais e menos na construção saudável de futuras gerações. Os resultados demográficos disto indicam tendências quase irreversíveis, com sinais de colapso populacional em países como Coréia do Sul e Japão.
Para Geoffrey, a única saída evolutiva para a Grande Tentação é algum tipo de bifurcação na humanidade irá enfatizará os valores do trabalho árduo, da gratificação retardada, da criação de filhos. Nesta bifurcação gerada pela variação hereditária, uma parcela da humanidade entenderá os perigos da Grande Tentação e saberá como evitá-la. Eles desenvolverão um horror ao entretenimento virtual, às drogas psicoativas e à contracepção. As gerações que sobreviverão no futuro serão obrigadas a fazer uma curadoria restrita do mundo do entretenimento e da nossa economia do metaverso. Se eventualmente algum grande encontro ocorrer entre nós e a vida inteligente alienígena, o tão sonhado Contato, certamente não será um encontro de seres viciados no entretenimento virtual. Será um encontro de pais zelosos e muito sérios que se congratulam por terem sobrevivido não apenas à bomba atômica como também ao metaverso.
Embora esta hipótese Geoffrey seja plausível, ela é no mínimo incompleta. Não precisamos de tecnologia avançada para criar uma realidade virtual, basta que qualquer vida inteligente tenha algum conhecimento rudimentar de química ou botânica para cultivar e sintetizar suas próprias drogas capazes de criar universos paralelos que imitem a aptidão evolutiva. O uso ritualístico e o controle que as culturas e religiões tradicionais já fazem de certas drogas é um sinal de que regras sociais foram selecionadas e transmitidas para o uso controlado de várias substâncias, certamente pelo medo atávico do potencial destrutivo que elas têm no longo prazo para o indivíduo e para a sociedade. Como Geoffrey mesmo reconhece, a própria variação hereditária das culturas pode desenvolver uma resistência à Grande Tentação, então só é só uma questão de tempo até que possamos desenvolver uma resistência maior às tecnologias que fazem isso tão bem quanto às drogas que já conhecemos há milhares de anos.
Mas a base de sua hipótese pode ainda estar correta: que a inteligência em si mesma contenha sementes de sua própria limitação ou destruição. É bem possível que hoje setores inteiros da sociedade sejam consumidos por imitações de aptidão evolutiva, que nos dão pistas falsas de sucesso, antes possamos desenvolver uma resistência a elas e que isso cause efeitos deletérios até que encontremos alguma solução que crie incentivos que nos coloque de volta ao rumo do desenvolvimento real. O que falta para seu diagnóstico ser mais completo é aplicar este raciocínio a algo mais fundamental na economia e sociedade: o dinheiro. Dinheiro é metade de toda transação econômica, estabelece os termos de trocas e regula nossa relação entre valor e tempo, por isso nenhuma análise será completa sem que soubermos a capacidade destrutiva que um paradigma monetário ruim têm de criar ilusões semelhantes à imitação de aptidão evolutiva.
Qualquer espécie inteligente em qualquer lugar no universo terá também que desenvolver uma forma de dinheiro para facilitar suas trocas econômicas e fazer uso do conhecimento distribuído que só o mercado baseado em trocas monetárias livres é capaz de fazer. Logo, também para alienígenas será levantada a questão de qual material poderá servir como bem monetário e que possa servir de base para o mercado que eventualmente tenha surgido entre eles.
Toda vida inteligente, além de ser poderosa o suficiente para criar uma realidade virtual através da imitação de aptidão evolutiva, também conseguirá extrair ou até mesmo criar química ou fisicamente qualquer elemento que eventualmente possa encontrar. Em geral isto é ótimo se considerarmos bens de capital e bens de consumo. Significa que a produtividade está aumentando. Seria ótimo para uma vida alienígena desenvolver uma tecnologia avançada para que possa extrair do seu próprio planeta e de outros de forma fácil e barata qualquer material de que precisasse, progredindo continuamente nas escalas Kardashev. Mas isso seria ruim para a existência de um bem monetário. O mesmo poder poderia ser utilizado para inflacionar a oferta de qualquer bem que fosse usado como dinheiro e isso será um grande problema para a vida inteligente, assim como tem sido para nós. O ouro se mostrou o bem mais resistente à nossa capacidade de inflacioná-lo, mas mesmo ele não foi capaz de impedir episódios de inflação, quando, por exemplo, nos séculos XVI e XVII, uma grande quantidade de ouro e de outros metais preciosos foi extraída das Américas e partes da Europa começaram a sofrer com o aumento de preços por causa do aumento súbito de oferta monetária.
Na nossa história econômica, o ouro foi desmonetizado no século XX porque ele é custoso de transportar, por isso precisou ser centralizado nos bancos e ganhou só escala imperfeitamente, em forma de crédito, com notas promissórias e cédulas. Uma vez centralizado em poucas instituições, não foi difícil que governos confiscassem e rompessem com seu lastro. Mas podemos imaginar outro fim para o ouro enquanto moeda. Imaginemos um cenário onde os seres humanos no começo do século XX tenham desenvolvido uma tecnologia capaz de criar quimicamente o ouro de forma extremamente rápida, fácil e barata, o mundo inteiro teria sofrido hiperinflação. Isso também teria desmonetizado o ouro e teríamos que encontrar outro substituto.
Levando em conta o progresso tecnológico, qualquer outra vida alienígena mais cedo ou mais tarde terá que passar por este mesmo problema. Qualquer outra vida terá que escapar da armadilha do dinheiro fácil (discutido no meu último post) criada por sua própria inteligência e engenhosidade. Quando aumentamos a oferta de um bem monetário estamos também criando a ilusão de que criamos algo de valor, quando na verdade só estamos diluindo o seu poder de compra. A inflação sem custo é um tipo de realidade virtual sem lastro no real, cria a imitação de riqueza, por isso sempre buscamos o bem mais escasso e difícil de inflacionar para funcionar como moeda. Uma vida alienígena também inteligente terá que evitar cair nesta tentação de ter uma padrão monetário fraco, com episódios de inflação ou hiperinflação, o que impediria seu próprio desenvolvimento.
Não é mistério para ninguém que desde 1971, quando Nixon rompeu o lastro do dólar com o ouro, praticamente o mundo todo vive no padrão fiat puro (com a exceção honrosa da Suíça que conseguiu manter o lastro do franco com ouro até a década de 1990 antes de entrar no FMI). Desde então, sentimos globalmente os efeitos deletérios criados pela criação da realidade virtual da moeda fiat. O ouro deixou de funcionar como regulador natural da oferta monetária e os bancos centrais ficaram livres para expandir artificialmente a quantidade de dinheiro existente sem custo algum.
Décadas antes a sofisticada tecnologia do metaverso temida por Geoffrey, a sociedade já começou a sentir o declínio civilizacional criada pela moeda fiat. No site que compila os dados do que aconteceu depois 1971, vemos claros sinais de regressão, tais como:
Aumento de famílias em que ambos, maridos e esposas, precisam ter renda para se sustentar:
Aumento de jovens adultos morando com os pais e incapazes de formar a própria família a níveis não vistos desde da Grande Depressão:
Aumento na média de idade do primeiro casamento:
Aumento do número de divórcio em todas as idades:
Aumento na quantidade de mães solteiras:
Esses só são apenas cinco gráficos que eu selecionei para mostrar a profunda mudança de paradigma que foi a falta de um padrão monetário forte na criação de famílias. No mesmo site, encontramos outros gráficos que mostram uma grande correlação entre a moeda fraca e a deterioração de indicadores sociais e econômicos, isso muito antes dos videogames, dos serviços de streaming, das redes sociais ou dos óculos com realidade virtual.
Estes fatos indicam outra possível solução ao paradoxo de Fermi: vidas inteligentes podem se limitar não só através da criação da imitação de aptidão evolutiva como também pela ausência crônica de um padrão monetário resistente à inflação gerada pelo sucesso tecnológico. Não fosse o Bitcoin e à descoberta da absoluta escassez monetária, estaríamos fadados ao declínio econômico e social que vemos desde a década de 1970 e nunca teríamos chances de colonizar outras galáxias.
Qualquer vida alienígena bem sucedida terá que, mais cedo ou mais tarde, encontrar algo como o Bitcoin, já que será capaz e inflacionar qualquer outro elemento utilizado como dinheiro. Talvez a vida inteligente extra-terrestre seja rara pois em dado momento do seu desenvolvimento não conseguiram superar ao desastre inflacionário que vem acompanhado do maior domínio sobre a natureza. Ou, como propõe Tomer Strolight (e comentado pela Área Bitcoin), Bitcoin é uma tecnologia extra-terrestre que nos foi dada por algum alienígena benevolente que já tinha resolvido este problema. Mas esta hipótese é muito implausível e especulativa para meu gosto. Estou inclinado a pensar que o Bitcoin é uma das grandes criações humanas que irá nos salvar de nós mesmos e que muitos de nossos colegas em outras galáxias não foram tão engenhosos.
Texto bom demais, você não tem um canal no YouTube não? Tuas ideias mereciam virar vídeos. De qualquer forma, parabéns, gostei muito dessa “tese”!
Qual seria a forma correta de acabar com os fiats e normalizar a economia mundial? (Num mundo utópico)