Há exatos dez anos Satoshi Nakamoto se foi.
Sua última comunicação pública foi no dia 26 de abril de 2011, um e-mail para Gavin Andresen (um dos primeiros desenvolvedores do Bitcoin) dizendo:
“Eu gostaria que você não continuasse falando de mim como uma figura misteriosa e sombria, a imprensa apenas coloca isso sob o ângulo de uma moeda pirata. Em vez disso, tente falar como sendo um projeto de código aberto e dê mais crédito aos desenvolvedores; ajuda a motivá-los.” (tradução minha)
As últimas palavras de Satoshi mostram seu incômodo em ser visto como alguma espécie de “líder” por trás do Bitcoin, ainda mais um líder obscuro. Ele já tinha começado a preparar o terreno. Desde dezembro de 2010, Satoshi já tinha atualizado o site bitcoin.org dando mais destaque aos desenvolvedores mais ativos, entre eles o próprio Gavin Andresen.
Seu incômodo refletia o paradoxo do projeto como um todo: como criar uma moeda descentralizada se ela precisa ser desenvolvida por seres humanos de carne e osso como você e eu? Como escolher as regras de um sistema que teoricamente não é regulado por ninguém?
Nos anos iniciais entre 2009-2011, esse paradoxo tornava a autoridade de Satoshi sobre o Bitcoin um problema a ser resolvido. E, por mais brilhante que fosse como programador, era um problema que o próprio Satoshi não poderia resolver.
Costumamos dizer, um pouco em tom de brincadeira, que o Bitcoin teve uma concepção imaculada, ao contrário de outros projetos, como Ethereum, que não só têm uma liderança por trás, mas uma liderança muito ativa que trata sua rede como ditadores benevolentes, mudando a toda hora as regras unilateralmente. Porém, quando estudamos correspondências de Satoshi neste período, é mais correto dizer que o pecado de sua concepção foi sendo expurgando nestes dois anos em que Satoshi esteve entre nós. Aos poucos, a autoridade de Satoshi pelo projeto foi sendo contestada pelos próprios usuários e seu desaparecimento em 2011 é a culminação deste processo.
O excelente artigo que Pete Rizzo publicou há pouco tempo deixa isso bem claro. Recomendo a leitura.
Satoshi não só desapareceu, Satoshi foi ostracizado.
Os bitcoinheiros foram os primeiros a expulsar Satoshi, fizeram algo que os gregos antigos chamavam de ostracismo. Este procedimento consistia em dar a cada cidadão com um óstraco (pedaço de cerâmica) para escrever nele o nome do cidadão que quisessem remover da cidade. Quem tivesse mais óstracos com seu nome deveria ser ostracizado, ou seja, ser expulso da pólis por dez anos.
O mais incrível na prática ostracismo grego é que ele era aplicado a qualquer um que comprometesse a igualdade de todos sob a lei. Por exemplo, se algum líder guerreiro se destacasse em alguma batalha e tivesse altas ambições políticas era bem possível que fosse ostracizado por ser alguém capaz de subverter a igualdade política dentro da pólis.
Satoshi Nakamoto era esse líder que precisava ser removido. Sua autoridade era incompatível com a igualdade que uma moeda verdadeiramente descentralizada precisava.
Não houve uma uma votação formal para que os usuários do Bitcoin gritassem “Fora Satoshi!”. Vendo que sua autoridade, além de contestada, colocava em perigo o próprio projeto que ajudou a criar, Satoshi teve a grandeza de sumir do mapa. Ainda bem.
Vida longa ao bitcoin! A humanidade irá precisar dele cada vez mais
Sempre inspirador!