História Imutável e Liquidação Final
O Bitcoin conta uma história imutável.
Não uma história com reis, príncipes, presidentes, guerras, descobrimentos ou conquistas, mas uma simples história de transações: em determinado bloco, algumas moedas que estavam em um endereço foram enviadas para outro endereço.
Uma vez que novas transações são feitas e publicadas em um bloco válido, esta nova parte da história estará para sempre gravada e empilhada nos nós que mantêm e verificam a rede. Isso faz com que toda transação de Bitcoin também seja um processo descentralizado de verificação de que existe uma única história verdadeira a ser contada.
Isso é bem diferente em outras instâncias. Imagine que eu receba 100 gramas de ouro em pagamento por um bezerro que vendi. Neste ato, uma transação foi feita, mas não necessariamente uma verificação. O ouro que eu recebi pode não ser ouro, pode ser tungstênio pintado de amarelo.
Eu posso passar para frente esses 100 gramas de tungstênio amarelo achando que era ouro e só depois de algumas transações alguém resolve verificar se aquilo era realmente ouro. Toda uma história de transações pode retroativamente ser considerada ilegítima ou equivocada pois, no caso do ouro, nem toda transação é um processo de verificação. O erro ou a fraude na transação pode só ser notado semanas, meses e anos depois.
Este tipo de problema nunca ocorre com o Bitcoin. Todo satoshi transferido é um satoshi “legítimo”, porque não há como fazer transações de Bitcoin sem que todos os nós verifiquem a veracidade dos satoshis transacionados. A história do Bitcoin é sempre verdadeira e todos podem acompanhá-la acontecendo ao vivo rodando seu próprio nó ou simplesmente clicando aqui https://mempool.space/ ou aqui https://bits.monospace.live
Moedas Governamentais e PIX
O sistema das moedas governamentais já não é tão seguro ou transparente. Posso receber uma nota falsa de R$ 100 reais e comprar um vinho com ela sem saber que estava usando uma nota falsa. Todos os dias as cortes de justiça lidam com problemas deste tipo. Fraudes e erros podem invalidar cadeias de transações inteiras e nunca podemos dizer com certeza qual é a história correta e quais foram as transações legítimas. Você pode fazer um pagamento um dia e só anos mais tarde um juiz pode anulá-lo alegando que houve fraude. A insegurança jurídica é enorme. No limite, os próprios juízes podem sofrer uma forte pressão política para alterar um entendimento já tido como “pacificado” pelas cortes, algo não muito raro no Brasil.
Mas alguém pode contra-argumentar: ouro e notas (cédulas de papel-moeda) são tecnologias monetárias arcaicas se compararmos à maioria das nossas transações cotidianas. Hoje usamos o sistema eletrônico das instituições financeiras para fazer nossas transações, que são verificadas e reguladas pelo Banco Central. Não seria um sistema que funciona bem?
Vamos ver o caso do PIX, que foi recentemente implantado no Brasil. Quando recebo um pagamento pelo PIX, posso dizer que um pagamento foi feito realmente e que sou dono daquele dinheiro que recebi? Vamos ver o que diz o novo comunicado do Banco Central:
Este comunicado lista os mecanismos pelos quais os bancos podem bloquear os recursos de seus clientes e até reverter pagamentos já realizados. Tudo isso é possível pois o dinheiro que você tem no banco na verdade não é seu, e os registros que eles mantêm sobre sua conta são só promessas, ou, mais precisamente, créditos que você tem contra determinada instituição financeira.
Se o dinheiro não é de fato seu, os bancos podem impor condições para que você tenha acesso a ele. Por isso, podem dizer o seguinte: ok, você recebeu um pagamento, então existe aqui um crédito de R$ 5 mil, mas, para liberar esse crédito, você deverá apresentar os documentos x, y, z, caso contrário os recursos ficarão bloqueados. E, mesmo uma semana depois, tudo o que foi realizado pelo PIX pode ser desfeito pelos bancos usando o que eles chamaram de “mecanismo especial de devolução”. Um sistema que foi implantado para “agilizar” as transferências bancárias fica cada vez mais demorado, inseguro e burocrático. Esse é o destino de qualquer solução construída nas bases tão frágeis da moeda governamental e de um sistema que funciona com bases em reservas fracionadas.
Bitcoin é um ativo que pertence exclusivamente ao portador das chaves-privadas, muito diferente do dinheiro que você tem no banco. Quando você faz um pagamento via transferência bancária na verdade você está transferindo um crédito que você tem contra um banco para uma terceira pessoa, que passa a ter um crédito contra um outro banco. O “dinheiro” que você acha tem lá é fracionado para ser repassado como empréstimo para outras pessoas. O Banco Central é a instituição que tenta colocar um pouco de ordem nesses sistema caótico onde ninguém é realmente dono do dinheiro e todo mundo deve para todo mundo. Quando algo dá errado, por exemplo, quando algum banco não consegue honrar suas dívidas, o Banco Central intervém como “emprestador de último recurso” (lender of last resort), injetando mais liquidez (= criando mais dinheiro) e diluindo o poder de compra de quem mantém aquele moeda governamental.
Bitcoin e Liquidação Final
Uma crítica comum ao Bitcoin é sua alegada demora em confirmar novas transações nos blocos, o que pode levar em torno de 10 minutos. Uma crítica que faz sentido para certas transações cotidianas: esperar 10 minutos para comprar um pão na padaria certamente não é um tempo razoável.
Mas essa relativa demora só se aplica às transações on chain e, como todo sistema monetário evolui em camadas, a tendência é que as segundas camadas (como a Lightning Network) sejam usadas para pequenos pagamentos cotidianos e transações on chain sejam usadas para liquidação final.
É a rede on chain do Bitcoin que, sem nenhuma dúvida, vai dizer quem é realmente dono das moedas. Sem essa certeza absoluta, é impossível criar um sistema monetário forte e confiável. Todo satoshi está onde deveria estar e não há autoridade política no mundo que pode mudar retroativamente sua história.
Se este texto lhe foi útil, considere enviar alguns satoshis para o endereço: guilherme@bipa.app
Eu agradeço!