A adoção do Bitcoin pelo mundo está sendo rápida ou lenta?
Parece bem rápida. O Bitcoin demorou apenas 12 anos para atingir o valor de mercado de um trilhão de dólares. Bem mais rápido que a Microsoft, que demorou 44 anos, e que a Apple, que demorou 42 anos. Mas essa comparação não faz muito sentido pois trata o Bitcoin como se fosse a uma empresa e avalia cada bitcoin como se fosse uma ação desta empresa.
Bitcoin não é uma empresa, nem bitcoins são ações. Bitcoin é um protocolo open source que mantém de forma descentralizada um sistema e um bem monetário completamente novos. No início, bitcoins sequer tinham preço. Ou eles eram minerados ou eram distribuídos por meio de faucets. Crescendo organicamente, Bitcoin não seguiu nenhum plano de negócios. Sua monetização não foi imediata nem foi coordenada por algum comitê de investidores ou gestores. Ela se fez pelo uso de seus usuários e desenvolvedores, e ocorreu ao mesmo tempo em que as moedas governamentais se degradavam.
Por isso uma comparação como essa Bitcoin x Grande Empresa de Tecnologia pode nos enganar. Para avaliar a adoção do Bitcoin, temos que ter consciência não só do tipo de bem que estamos comparando com também da régua que estamos utilizando. Com a inflação da base monetária, o aumento do preço nominal é mais uma função da desvalorização das moedas governamentais e não precisamente do valor de um determinado bem.
O dinheiro fácil e abundante busca algum lugar para ficar e não perder o valor, e nos últimos anos ele tem escolhido as grandes empresas de tecnologia para este fim. O Google, por exemplo, demorou “só” 21 anos para valer um trilhão de dólares, mas isso ocorreu porque ela é muito mais jovem que a Apple e a Microsoft e pegou um período recente em que o dólar passou a se degradar mais rapidamente por causa política monetária expansionista dos bancos centrais. Isso faz com que cada dia fique mais fácil algo valer um trilhão de dólares, assim como no Zimbábue era fácil encontrar trilionários de dólares zimbabueanos. Em breve, também veremos indivíduos trilionários de dólares americanos.
Canário na Mina
Qual é a consequência disso? Por ser absolutamente escasso e fazer parte de um mercado global, ininterrupto e líquido, a monetização do Bitcoin funciona como um o canário da mina dos bancos centrais, como disse recentemente Peter Thiel. O Bitcoin absorve rapidamente o ágio monetário dos bens usados como reserva de valor, avisando quando algo não vai bem com o dinheiro governamental muito antes que outros ativos.
Um exemplo. A partir de março de 2020, praticamente todos os bancos centrais do mundo expandiram suas bases monetários com uma velocidade alarmante. Um grande debate surgiu. Muitos corretamente disseram que isso criaria um aumento generalizado de preços. Era só esperar para ver. Políticos e banqueiros centrais, defendendo a medida, primeiro diziam que isso não iria gerar inflação pois “a demanda estava reprimida”.
Logo que os preços começaram a subir, mudaram o discurso e falaram que este aumento era apenas transitório pois fora causado pela interrupção das cadeias globais de fornecimento imposta pelas medidas sanitárias. Agora que no começo de 2022 o índice de preços do consumidor americano (CPI) atingiu níveis que não atingia há 40 anos, a culpa é do Putin e da guerra na Ucrânia recém iniciada.
Não vemos nenhum funcionário do governo ou economista (ambos parecem ser praticamente a mesma coisa hoje em dia), atentar-se para o fato de que 43% dos dólares hoje existentes foram impressos nos últimos dois anos e que essa é a causa mais relevante para o aumento de preços que estamos vendo no momento.
De aumento de preços “temporário” para inflação de guerra foram dois anos e só agora o grande público parece acordar para o grave problema da corrosão do poder de compra das moedas governamentais. Enquanto toda essa narrativa se desenrolava, o preço médio do bitcoin em dólar já era um sinal de que esta flebotomia econômica logo causaria um aumento generalizado de preços em outros setores. Estamos só no começo.
Bitcoin x Internet
Se o Bitcoin não é uma empresa de tecnologia e se seu preço sofre constante influência da diluição do valor das moedas, com o quê devemos compará-lo e qual seria uma boa métrica para avaliar sua adoção? Um caminho interessante é ver o Bitcoin ao lado da disseminação de protocolos digitais, como a própria internet. No começo do ano passado, Willy Woo elaborou uma métrica cruzando dados on-chain e de corretoras, concluindo que Bitcoin estaria naquele momento, em fevereiro de 2021, com a mesma quantidade de usuários que a internet tinha em 1997, ou seja, com aproximadamente 135 milhões de usuários.
O mais impressionante é que, comparando ano por ano, o Bitcoin estaria crescendo mais rápido que a própria Internet. Se mantiver o mesmo ritmo, Woo previu que, em apenas 4 anos, o número de usuários de Bitcoin saltaria para 1 bilhão de pessoas, o mesmo que a internet tinha em 2005.
Por que o Bitcoin estaria sendo adotado mais rápido que a própria Internet? Uma hipótese é que ele está pegando carona nos caminhos já abertos e na infraestrutura de outras redes. Por estar acessível pela internet, é muito mais fácil alguém comprar alguns satoshis, ainda mais com a popularização e proliferação de mercados descentralizados e exchanges. Isso faz com que o Bitcoin chegue muito mais rápido à mão de bilhões de pessoas no planeta inteiro, que podem facilmente comprar e transacionar satoshis com seus celulares e computadores.
Outra hipótese para que a adoção do Bitcoin ser mais rápida é que há um grande custo ao não adotá-lo ou adotá-lo mais tarde. Os incentivos em torno do dinheiro digital parecem mais fortes e imediatos do que os incentivos para conectar-se à internet. Afinal, o preço do Bitcoin é uma evidência diária e ininterrupta do custo de oportunidade de não ter pelo menos alguns satoshis guardados há algum tempo, enquanto os custos de não conectar seu negócio à internet eram mais opacos e só começaram a surgir depois (menos clientes, menos contatos com fornecedores distantes, menos acesso a produtos, etc.).
Um progresso constante?
Costumamos pensar que o progresso tecnológico é constante e que sempre adotamos as tecnologias mais vantajosas, mas isso é errado. Muitas sociedades demoram para adotar certas tecnologias melhores ou, por questões sociais e políticas, acabam adotando uma tecnologia e abandonando-a depois. Tome um minuto agora para olhar atentamente para seu teclado. Você já parou para pensar porque ele distribuiu as letras dessa forma e não em outra ordem?
O teclado que usamos se chama Qwerty pois é a sigla que extraímos das seis letras da esquerda para a direita da fileira superior do teclado. Ele foi projetado em 1873 para tornar menos eficiente o ato de escrever, empregando diversos truques destinados a obrigar os datilógrafos a digitar o mais lentamente possível, como espalhar as letras mais comuns por todas as fileiras do teclado e concentrá-las no lado esquerdo, forçando as pessoas destras a usar a mão mais fraca.
A explicação para essa característica contraproducente é que as máquinas de escrever de 1873 emperravam se as teclas adjacentes fossem tocadas numa sequência rápida, de modo que os fabricantes tinham que reduzir a velocidade dos datilógrafos. Nas máquinas de escrever manuais, cada tecla é conectada mecanicamente a uma alavanca que possui a imagem invertida de uma letra. Se um datilógrafo pressionasse duas teclas do mesmo lado do teclado em rápida sucessão, a segunda alavanca ao subir atingiria a primeira ao descer e as teclas ficariam presas umas às outras e o datilógrafo teria que parar de digitar e soltar as teclas. O layout Qwerty foi um design inteligente que minimizou esse problema.
Quando os aperfeiçoamentos nas máquinas de escrever eliminaram o emperramento, experiências com um teclado mais eficiente mostraram que poderíamos em média dobrar nossa velocidade na datilografia e reduzir nosso esforço. Uma alternativa famosa é o teclado Dvorak, que promete uma eficiência maior de nada menos que 74%.
Mas nem sempre a melhor solução é aquela que prospera. Quando alternativas foram propostas, o teclado Qwerty já estava consolidado, e o capital investido, representado por milhões de datilógrafos, professores de datilografia, fabricantes e vendedores de máquinas de escrever e computadores, reprimiu todos os movimentos em prol de um teclado eficiente durante mais de 60 anos. Ao final, a opção custosa e demorada venceu.
Que lições podemos tirar dessa história? Pense que nosso atrasado e lento teclado Qwerty são como as moedas governamentais. Ambos são uma solução ineficiente que surgiram a partir de um problema já superado, mas que ainda persistem por conta de inúmeros interesses e efeitos em rede envolvidos. Assim como nos parece intuitivo digitar num teclado Qwerty, também nos parece intuitivo medir o preço dos bens em dólares, reais e ienes, por mais que estas sejam formas ultrapassadas de medir, transferir e armazenar valor.
Não creio que as moedas governamentais sobreviverão por muito tempo. De certa forma, o próprio projeto de uma moeda digital de banco central já uma confissão de fracasso da moeda governamental, já que elas não se inserem nem na categoria de moeda. Mas nosso teclado Qwerty está sempre debaixo de nossos olhos para nos lembrar que interesses e hábitos enraizados em uma solução ruim podem ser fortes o suficiente para nos estagnar.
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Eu agradeço!