No supermercado, gosto de ver com detalhe o que estou comprando e raramente aquilo que está escrito na propaganda corresponde ao que de fato está dentro da embalagem.
Na capa leio “Suco de uva! Com fruta de verdade!” mas vejo lá na composição que 5% são de extrato de suco de uva e os outros 95% são feitos de detrito industrial como goma xantana, glutamato monossódico, acidulantes e outros compostos que não têm nada a ver com aquela fruta pequena chamada uva.
Estão mentindo? Há debates. No mínimo, na minha opinião, estão induzindo ao erro. Eles vão falar que não mentem, que vendem suco de uva com fruta de verdade, mas é só uma pequena parte do produto, o resto é o lixo que eles botam lá. 5% da verdade ainda é verdade?
Mas por que estou falando de suco de uva em um blog de Bitcoin?
Falo porque o Bitcoin acabou de entrar em uma nova fase e nesta nova fase ele começou a ser embalado e vendido para consumidores desavisados. Com mais de US$ 1 trilhão valor de mercado, o Bitcoin agora se tornou um ativo financeiro e passou a ser comercializado por grandes bancos. Sim, esses mesmos bancos que até ontem estavam falando que Bitcoin era um esquema de pirâmide e coisa de bandido, agora de repente mudaram de ideia porque aparentemente tudo mudou.
Vou explicar o que aconteceu. Na curva adoção de nova tecnologia, vemos que ela começa com os inovadores. No caso bem peculiar do Bitcoin, os inovadores foram em sua maioria criptógrafos, cientistas da computação e libertários, ou seja, não muita gente, nem muita gente importante, como grandes empresários, governos ou fundos de venture capital.
Os inovadores, quando acumularam seus primeiros bitcoins, tiveram que ser autodidatas quando foi aprender o que é o Bitcoin, quais as propriedades do seu protocolo, como armazená-lo com segurança, como criar suas chaves privadas, etc. No começo, nada era fácil, inclusive encontrar informações claras sobre o que era essa nova moeda mágica da internet.
Com informação escassa, tiveram que ir fuçando e aprendendo sozinhos em fóruns como Reddit ou depois no Twitter. Isso lhes deu uma proteção natural contra golpistas. “Não confie, verifique” ou “Todos são golpistas” são lemas que reforçam o ethos bitcoiner de sempre fazer a auto-custódia, verificando por si próprios se as transações foram confirmadas nos seus próprios nós de Bitcoin.
Durante todo este tempo, as empresas, governos, mídia, bancos e universidades, financiados com moeda estatal, sempre foram contra o Bitcoin, pela ameaça que ele sempre representou ao sistema como um todo.
Percebendo que o Bitcoin era simplesmente impossível de parar, lançaram a narrativa do “blockchain, not bitcoin” e depois as shitcoins começaram a surgir. Como essas estratégias não deram certo e a adoção e o preço do Bitcoin não pararam de crescer, agora é simplesmente impossível de ignorá-lo. Bitcoin não é mais um experimento de inovadores e é cada vez mais normal alguém falar: Sim, tenho bitcoins e não sou louco nem bandido.
Como bem mostra esta sequência, agora que se tornou um ativo financeiro, o Bitcoin já está entre os early adopters. Esses early adopters são algo em torno de 10 milhões de pessoas que hoje têm Bitcoins - isso um mercado de aproximadamente 2,2 bilhões de pessoas que precisam de uma moeda forte inconfiscável. Pessoalmente, acho que muito mais gente vai precisar de Bitcoin, mas vamos ficar com esses números.
O fato é que um early adopter, diferente dos inovadores, muitas vezes não sabe como funciona o protocolo, não sabe rodar seu próprio nó e não sabe como funciona a descentralização nem a escassez virtual do Bitcoin. Por isso, se torna presa fácil dos bancos e de outros golpistas que agora vão oferecer “exposição financeira” ao Bitcoin. Já começo a ver alguns fundos e ETFs aqui no Brasil que anunciam investimentos em Bitcoin, mas se você olhar com cuidado de Bitcoin tem muito pouco.
Agora podemos vamos voltar ao suco de uva. Essas empresas não ganham vendendo o suco de uva para nós, mas sim vendendo todos esses outros compostos químicos muito mais baratos, que fazem mal à saúde mas muito bem para o faturamento do fabricante. Se uva é muito mais cara de produzir do que um composto químico, melhor colocar mais composto e ganhar na margem. Essa é a característica de alimentos ultraprocessados. Eles são feitos de dezenas de compostos químicos que imitam o sabor e a textura do alimento de verdade, mas incapazes de nutrir um ser humano. Pelo contrário, causam doenças crônicas como diabetes e obesidade.
Bancos agora começaram a vender extrato de Bitcoin ultraprocessado. Colocam um pouco de Bitcoin em uma bela embalagem, ganham nas taxas e enfiam um monte compostos financeiros que só vão fazer mal para sua saúde financeira.
Os próximos anos serão críticos. Nesta transação entre early adopters para early majority, o Bitcoin já começa a ter importância geopolítica e a disputa para se apropriar de sua riqueza será acirrada.
Não sou contra bancos. Sou contra moeda estatal, bancos centrais e propaganda enganosa. No padrão Bitcoin, será saudável desenvolvermos um sistema financeiro descentralizado com reservas integrais. Até lá temos que ter muito cuidado. Verifiquem sempre muito bem qual a natureza desses fundos que vendem Bitcoin, porque de Bitcoin eles geralmente têm muito pouco.
Guilherme, você será (ou é) um excelente pai. Uma das formas mais consistentes de ensinar nossos filhos é com "histórias". Eu chegava a "desenhar" os personagens das histórias que eu inventava para meus filhos. Você tem poder de fazer essa conexão dos fatos com histórias com maestria. Parabéns. Estou assistindo neste momento sua participação nos "Bitcoinheiros" e vi que é formado em Direito (também sou - é minha profissão). Gosto de aprender com vc em razão de sua didática ímpar! Pense em ensinar para pessoas leigas (como eu) como montar e fazer rodar um nó no próprio computador. (um curso - seria muito bom aprender mais)
A grande massa não vai conseguir ficar de fora, é o famoso "se não pode contra eles, junte-se a eles". Mas, o que é importa que o Bitcoin está sendo difundido, seja falando bem ou falando mal.